segunda-feira, 30 de julho de 2007

SOSLAIO

SOSLAIO - jonilson montalvão


Divagar: constante aparato de uma celebração do que poderia ser a vida; dita e redita a contemporaneidade que nos massacra e amarga esse viver. Um rescaldo...ah!, um pio nevrálgico da alma.
Sorrateiro espreito à luz noturna e quando menos penso um soslaio me arremete e tomba como se fosse um animal no seu arrastado languiar existencial. Não tenho essa chance e me desfaço das inconveniências; estou há um tempo nessa espreita, estou tentando, digo para mim mesmo a fim de um auto-convencimento.
Uma legra de ocasião perfurou-me a mente e a decisão que era esperada sucumbiu pelas frestas errôneas. Este prenúncio agita a minha decisão e por isso mesmo tenho mais um tempo de disparate entre um ato e um fato. Sou de ocasião; rio dessa manifestação. Horror e fator são projéteis que carrego há muito; a calamidade que todos carregam é se perceberem abstraídos da história e com isso terem de buscar caminhos divergentes daqueles traçados à revelia de suas imortalidades.
Mas estou aqui num mundo dotado de procedências escusas e dissuasivas e, talvez, por isso mesmo também proponho novos meios à própria razão da existência mesquinha. Digo-lhes que sim e basta um sorriso desvalido para esgarçar a desgraça que acompanha tais sedentos.
Tomo um café no meio da noite e cumprimento balançando a cabeça vagamente alguns passantes como se isso me desse um tempo qualquer; na verdade tenho esse tempo, mas só quero, no momento, uma chance de me fazer presente ali, naquele lugarejo tifo.
Enquanto engulo o liquido asqueroso que me serviram como café, repenso o ato. Sem querer quase levanto e parto para a ação. Mas não, não agora, haverá outra oportunidade, penso; sim haverá. Preciso dessa paciência monástica, preciso dessa inércia momentânea, preciso disso tudo...peço uma coca e misturo ao café.
Ação!
Meu corpo mantém-se atento. Requerer a ação pode ser fatal em um tempo. A noite está lá fora cuidando dos noctívagos. Ruídos desaceleram a atmosfera quente. O calor de fora, da noite, cai para dentro do bar. Risos causados pelo impacto dos bêbados.
Mantenho-me ali, sentado, tentando saborear aquela mistura. Saborear é uma palavra desmedida para essa hora; tento me recobrar partindo de qualquer noção instantânea; tento repor alguns fios da memória num conjunto linear. O efeito da cafeína ajuda nessas horas.
Em cada momento há uma metástese na minha cabeça; a mente não se situa em um ponto fixo. Repensar as tragédias arbitrárias que me dizem muito não me faz bem, mas mesmo assim não consigo me desprender dos pensamentos. Ainda assim tenho convicção no ato, neste ato em si. Preciso dessa convicção para tolerar fatores externos.
Minha bebida acaba, peço outro café, dessa vez com leite. Tempo. Tempo, preciso desse tempo. Cada segundo me é deliberativo, cada segundo me significa. Tomar uma posição requer cuidados, requer uma certificação do momento; requer um ato brando ao mesmo tempo do ato mais fulminante. Tenho essas precedências comigo, tenho essas subjetividades.
Depois de tudo deixo o bar e me dirijo à ruela semi-escura. É cedo, manhãzinha morna. Pessoas saem para o trabalho, ou em busca dele; é cedo. Não carrego nada; não tenho nada a carregar, apenas essas lembranças melancólicas e lembranças alegres de dias felizes; ambas são realçadas por questionamentos que me faço e que, sem respostas, tolhem meu raciocínio deixando-me, desiludido, à mercê do destino.
As primeiras luzes raiam, deixando a paisagem mais visível. Quanto tempo? quanto de mim deixei aqui? não reconheço mais essa paisagem; mudanças profundas de vidas intensas, vidas perdidas numa atmosfera desguarnecida. Aqui, nesse lugarejo, há pedaços de mim espalhados aos cantos. Ruminações da infância; eu, passado crivado, reviro detalhes de menino arruaceiro que fui e me permeio de belezas, doçuras mitológicas brincadas à esmo.
Chegar ao universo rompido, deixado; chegar e dizer olá. Quem me verá da forma que saí? quem deduzirá da minha presença algo de excepcional paradoxo? Em instantes todos me notam, sou alienígena aparado na convenção da desmemória; busco um abraço que não vem, quero um afago insonte.
Querer demasiado egoísta. Sim, reconheço gestos e palavras mas...quem tirará esses proveitos? Depois de anos, séculos talvez...tenho pares aqui; são meus infortúnios; genuínos gametas amordaçados pelo espectral critério de roldão de um ato que não pode ser insubstituível.
Ninguém daqui terá esse tempo criterioso; serei incompreendido por toda a geração que me acompanhava nas subidas dos morros, nas jogadas de domingo a tarde, nas linhas de pipas furtadas às avós...
...observo-os assim como eles a mim. Tão indistintos ao outro, formalidades cadentes de seres que porventura seriam chamados de amigos. Casualidades subjacentes me rodeiam até a tontura se tornar tão sublime que enleva essa miséria disfarçada. Arroubos de infâmias; ironias nos olhares. Cumprimentos repugnantes. Puxo a memória em forma de escudo e disfarço a nitidez de meus olhos lacrimosos. No prenúncio da morte a vida se desfez há tempos. Somos todos restos de sonhos; todos restos da infância que um dia se fez...

Um comentário:

Anônimo disse...

gosto muito dos seus contos