quinta-feira, 5 de abril de 2007

CONTO - caminhos

jonilson montalvão

Num dia ensolarado caminho pensativo; a mente é a grande condicionadora do tempo. A alameda é a única que talvez possa me seguir nesse dia, ou seria o contrário? Não sei. Quanto mais penso, mais vejo que não há poréns. Soluções infindáveis que a vida tende a reciclar. Parece que essa conspiração me diz como eu sou tão minúsculo. Sou restos de estrelas num universo muito mais que difuso. Confuso. Há certas coisas na vida que não entendemos, só filosofias e metáforas não explicam tudo. Não tenho muita coisa, não faço questão de possuir nada. Mas queria ver meu filho. Às vezes dá uma sensação inexplicável, essas coisas da vida. Uma repressão danada de pensamentos. A arte é apenas uma simulação da existência. Sem ela não existo. Continuo a produção. Sei que não terão fins; a arte...os limites que nos colocam, os rótulos que recebemos enquanto fazedores de alguma coisa. Simples seria não pensar, não ruminar teorias absurdas. Relembro um poema de Alberto Caeiro que, nesse instante, me fala muito: "Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois/Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,/E que para de onde veio volta depois/Quase à noitinha pela mesma estrada/Eu não tinha que ter esperanças – tinha só que ter rodas..." Enquanto a mente trata de buscar o poema, a boca vai se abrindo ao som, numa quase declamação. Ruminações. Alguns percebem que estou falando sozinho. Não pode falar sozinho, te julgam como maluco, insano. Aliás, não pode nada. Não pode andar com roupas velhas, não pode chorar, não pode gritar, não pode, não pode...Cansaço. Essa sociedade me cansa, me maltrata. Mas tenho minhas saídas. Quase nada resta do planeta. Ontem li que a Amazônia poderá até vir a entrar num processo de savanização; o que estamos fazendo com a Terra? Nossa mãe, nosso lar. Destruindo tudo; a cada dia destruímos tudo. Ferozes na arruinação. Exterminadores, é isso o que somos? A manhã linda de sol. Um dia de verão. Essa alameda poderia ser na periferia. Ruas com árvores poderiam existir na periferia. Ali quase nada sobrou. Casas e mais casas, rios tapados com concretos. A dignidade por um fio. Mas esse local não me aconchega tanto quanto lá. A individualização dos protótipos aqui é tamanha, talvez lá também seja. Eu é que não quero ver isso. Prefiro ouvir música. Cretino dos infernos. Manhã de sol com música: Coltrane, Miles Davis, Renato Braz. Que sensação de prazer estranha. Parece que nem isso podemos ter mais. Um crime. Virou um crime ser feliz. Vida tacanha, pensamentos tacanhos. Mas quem sou eu para julgar qualquer coisa? Sou nada? É...coisas que ruminam. A próxima rua já é o centro: limites. Outras dinâmicas. Andar já faz parte da minha situação. Prezo pelas pernas. Ando pra todo lugar; qualquer lugar. Manhã de verão com vento no rosto. Hoje estou um pouco sisudo. Talvez seja essa ansiedade por esse encontro: uma garota. Não uma simples e qualquer garota, uma especial, acho que todas são, mas essa é de um charme distinto. Inteligente ao extremo; criança mestiça no mais puro aterrorizante senso de liquidar qualquer homem. Um olhar melado na cor, sorriso que te deixa perturbado nos sonhos da conquista: pataxó. Penso nela e me vejo tentando ser, a todo custo, sempre, inteligente. Todos temos nossos dias de espontaneidade. Posso muito bem saltar obstáculos; sorrio da miséria. Grande metrópole. Encontros às avessas. Tantas coisas para se dizer. Penso em beijos. Lábios morenos. Construções sorrateiras, efêmeras. Grande metrópole ocasional. Misérias humanas a tornar a cidade habitada. Rumino. Penso. Ando. Só embrião no asfalto quente e eterno da palidez cinza que nos transformamos. Preciso de café. Ainda não vi aquele prédio que me disseram que ficava por aqui e tem um estilo néo-clássico, rococó, gótico...grande merda tudo isso; construções opressoras que tapam nossa visão do horizonte e ainda temos que admirar concreto. Foda-se tudo isso! Uma grande confusão essa cidade. Mas nossos encontros são tão sublimes. Espero ansioso por esse momento. Desde quando estive no mar não a vejo. Penso no corpo da menina mestiça. Tomar um café sentado. Dizem que o café de coador é o melhor. Só o da minha mãe é bom. Hoje quero um expresso; puro e bem cremoso. Coisa boa. Néctar. Tudo relativo. Parar num grande centro é autodomínio. Andar sem pressa enquanto todos correm. Praquê? Depois esgota a atuação produtiva. Cartazes; sinais, letreiros. Luminosos. Quanto lixo! Praças repletas de desgosto. Tudo se vende. Cinemas na memória. Ocupações nervosas. Crises, caminhantes; carros; putas. Estou em câmera lenta. Slow motion. Reflito melhor depois que fumo. Sintonizo o olhar e percorro extensões. Cores, sons, ruídos; explosões dimensionais. Quero ver um documentário mais tarde. Agora quero entrar numa sebo. Tocar livros. Procurar detalhadamente; percorrer cada prateleira e folhear livro por livro tal Borges na sua biblioteca. Caminhar sem pretensões, sem obrigação de chegar a lugar nenhum. Eis-me absoluto no tempo. Espaço sagrado de meus ancestrais. Meu sangue divide a explosão da lembrança com o rancor da revolta contra a barbárie de uma conquista subjugada a povos sagazes. Pagaremos todos por isso. Caminhar. Não pensar em pensar já é um ato. Fato. Menina da minha volúpia. Não volteio. Sou voluntarioso demais para isso. Penso na carne mas também nas demais possibilidades que temos. Num encontro há demasiada atmosfera para tudo. Beijos, seduções, olhares; insinuações, toques. Flertes. Rumino demais antes do acontecido: ansioso. Talvez seja a cafeína correndo no corpo. Muitas drogas que não queremos e tomamos assim mesmo. Motivos? Quem saberá? Nunca temos bons motivos para fazermos nada. Simples é ser destituído. Quem é? O tempo escorre pelas sensações. O sol quase escondido numa janela dum prédio alto. Arranha-céu. Olhar a atuação teatral da humanidade é risível. Circos espalhados pelos cantos. Basta observar um pouco mais. A sensação é que manda. Irrealidade constante na vivência de cada um. Cabelos negros escorridos. Como a mente é irregular, ou sou eu? Como será que ela estará vestida? Talvez uma saia, um chinelo simples deixando a mostra os pés caboclos e trigueiros. Unhas sem tinta que sutilmente prolongam os pés. Caminhar é se estender ao mundo, é sentir a vibração da vida, mesmo ela estando em decadência. Pulsar contínuo; explorar todas as possibilidades da beleza que ainda nos resta. Contatos com o outro. Primazias da existência humana. Dignidade a pontapés. Saber-se limitado e não dar por isso reações anormais. Andar devagar, sem pressa e sorrir, como a canção. Nabokov tardio. Sobrepujar os hipócritas que determinam que o mundo deveria ser do jeito deles. Alice no País da hipocrisia. O mundo é diversificado; não há restrições a seguir. Causar celeumas é um tanto obliquo. Alguns reacionários temem tanto a diferença. Matam, extirpam a livre vontade; reduzem a naturalidade. Violência disfarçada de moral. Vão a merda todos! Neoinquisidores. Não quero pensar nessas desconexões. Quero reter o tempo num momento de extrema felicidade. Sentir tudo. Perceber pelos sentidos; despir de preconceitos tolos. Alcançar a inexatidão como se mergulha num rio de águas límpidas. A nitidez da primeira paixão. O primoroso da vida é esse momento. Se expandir para fora do próprio ego. Deixar-se levar pelo movimento contínuo. Sem queixas nem tampouco absurdos da memória. Não há idades. Não há diferenças. Só aquilo que queremos e desejamos. Num átimo de tempo a sensação de fluidez é uma agitação corporal de bem estar. O silabário finda e só temos o silêncio refletindo os mais dos dizeres que não são ditos e que talvez nem precisem. Caminhos que são romperes. Dizeres. Tudo que diz: Olá. Oi. Abraços. Carinhos. Contra-dizeres. Fatos. Um cuidado enleado. A mão é exposta, revelada ao toque. Insinuações comportamentais. Tantos pensamentos em pouco instante. A dimensão que me encontro...Proponho rompimentos. Sagrado e profano na fala dela. Como o outro enxerga a gente? Minha fala é uma, a vontade é outra. Olho iluminado. Olhar desejoso. Tento não querer. Mas como? São essas atribuições que jogamos...a mente traça os paralelos do desejar. São situações que poderiam ser normais. Atos. Qualidade imprevisível da vida. O que é a vida? Jogos de vontade. Momentos que aspiro. Sentidos pulsantes, extravagantes. Qual é o fato da memória que conspira tanto assim? Na incerteza, corda bamba; equilibrista único, ando. As mãos que não sossegam. Me quer bem. Também te quero menina mestiça. Corre pro meus braços. Te cuido. Ninfa. Nímio. Te acalento. Tanto querer. Rumino. Tanto querer...o olhar seduz. Sem querer? Tantos trejeitos. Sutis? Esses que te arrasam, te calam. Musa. Sou tão arcaico, assim perto. Conversas que fluem tão facilmente. Sem restrições de diálogos. Só aqueles que me sufocam. Mas aí sou eu na insegurança da moral. A moral que eu mesmo produzi. Um hinado nos ouvidos: Cartola. Solenidade da voz. Penetra os poros e trás um contentamento a pequenez do viver. Momentos; a vida é dessa feitura. Material incansável do espirito. Beleza é subjetiva? Talvez. Mas a dela é tão vivaz. Reponho o olhar, desvario total. Penetro teu olhar. Volto os olhos para formas: pernas, mãos, braços, seios, pescoço; boca, olhos, cabelos. Então sou comprazedor. Ouço o poema que ela lê pra mim. Mário Quintana: Os degraus: "Não desças os degraus do sonho/Para não despertar os monstros./Não subas aos sotãos-onde/os deuses, por trás das suas máscaras,/Ocultam o próprio enigma./Não desças, não subas, fica./O mistério está é na tua vida!/E é um sonho louco este nosso mundo..." Reflito intimamente. Por que será que lemos um poema para outra pessoa? Queremos lhe falar por outros pensamentos? Gosto do poema, mas prefiro ler os meus, assim sou direto. Desfaço do olhar. Como desejo tudo. Enigmas? Quem é que se revela? Propostas de diversão. Mundo louco... Sou tão insano. Poderia ser pai dela. Que merda de pensamento: medíocre. Estou ficando medíocre. Não pensar já é um fato. Ato. Idades. Tempos. Gerações. Ridículo! Mas são pensamentos quase inevitáveis. Quases...Ilusões. Talvez sentir seja apenas uma ilusão. Quem sabe eu nem exista. Estou num mundo paralelo. Posso desejar tudo e não sofrer pelo fato de desejar. Quantas bobagens. Falo de saudades. Sorriso da mulher. Transformação da alma. É o que é e pronto. Mas criamos sentimentos; criamos ocasiões e situações. Há em tudo uma emoção. Não escondo, porém, disfarço, camuflo. Talvez à toa. Talvez. Nada se esconde por muito tempo. Desejos improváveis. Sou tão prolífico. Me perco. Digo que estou bem. Planos? Quem não os tem? Sou arraigado. Artes? Sobreviver é tão linear que não me vejo assim. Por tudo o que vem, o que não vem. Pretensões. Lógico que planejamos a vida. Sei da diferença entre coisas planejadas, mas mesmo assim, lá no íntimo, ainda assim, temos planos. Como fala!- de tudo - tão nova, às vezes. Sonhar, viver o sonho sonhado. Penso em tudo. Desprender de coisas. Não tenho nada. Ouço seus planos, seu futuro. Como podemos planejar algo tão incerto? Tão meiga. Como não pensar em atos? Ouço sua razão de voltar. Vontades. Não temos pressa. O tempo é subjetivo demais. Mas já é tão tarde pelo relógio. Quem se importa? Não temos pressa de nada. Quero um baseado, depois um café. Ela, um baseado e um vinho. Não bebo mais. Transfiguração do ser. Me vejo num espelho. Estou feliz. Demonstro. Ela sorri. Sempre sorri. A luz solar que finda é deslumbrante. Penetra pelas entradas e reflete nos olhos caramelos, quase verdes. Luz amarelada, assim a vemos. A cidade se acende. O corre-corre dos transeuntes é infindável. Exposições nos Centros Culturais. Conexões pela arte. Cafés, vinhos, baseados. Transmudar. Abraços. Saudades. Caminhar juntos, de mãos entrelaçadas. Excitação. Desejos. Desejar e sentir o desejo que foi desejado. Lembro de uma frase que Diadorim disse para Riobaldo: -"Riobaldo, hoje em dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia..." Não sei, não penso que sei, quero me esquecer e prosseguir. Renovado das saudades, das memórias. Momento que é já. Meu momento é já. Pensar é tão sublime. Isso é tão importante. Qualquer extremo da emoção. O extremo da minha vida é o da periferia que me opõe. Sentir, da forma mais plausível, é algo maravilhoso. Sentir e realizar os sentimentos desejáveis. Realçar a explosão do desejar. Como gostaria de experimentos. Volúpias. O resvalar das peles. Brandamente, suavemente. Toques. A rua se move. A cidade se move. Bares: afluências, algazarras. Sensíveis estalos dos sentidos. Cinema: visões moventes. Teatros: representações à flor da pele; efeitos da concordância dramática do ser. Máscaras do cotidiano. Circundantes ocasiões da vida. Lágrimas que somem nas sombras. Quem me dera atuar. Sou tão displicente. O que é o amor? Família é algo extremo. Minha mãe é o extremo da discordância. Pensar que conhecemos o outro. Filhos. Sou tão imérito. Casualidades da aflição. Avançar, no pensar, conter-se nas ações. Risível. Ouvidos atentos às frases. A mente realça outras possibilidades. Eu a ouço. Ímpeto da alegria jovial que me seduz. Transformo-me. Renovo-me. Cito frases feitas, poemas. Empolgo-me. Qualquer atitude é finita. Penso na idade. Sempre a razão: miséria humana do incondicional. Retratos e rogatórios da condição a que nos submetemos. Exalto suas características. Sublimo o singelo. Beleza ancestral. Todos somos Tupinambás. Sentir é rever. Somos a memória dos derrotados. Mas não há derrotas quando a olho. Não poderia haver derrotas quando há beleza assim. Sou tão caboclo: Carijó. A noite ganha a cidade. Ares mais frescos aos arredores. Somos projetos. Tanto falamos, tanto há, ainda, para se falar. Assuntos intermináveis. Sorrisos sinceros. Ficaria assim por todo o tempo que fosse...Joguei tudo pro amanhecer. Amanhã eu sou outro. Mas o dia é finito. Serei outra vez qualquer coisa. Serei eu no cadafalso da memória. Recapitulo os dizeres. Estou alegre. Permanecer na rotina é qualquer coisa de questionável. Sei da rotina. Embaraços dos corpos. Menina. Quantos pudores enfrentamos para dizer o não dizível? Fico aqui, depois de passar pela euforia, permaneço sincero nos atos. Palavras são mistérios. Meu mundo é, hoje, uma garota encantada com olhos que me causam flebostasia. Palpito e caminho. Penso nas eternas comunhões que fazemos no decorrer de nossas existências. Soberbo pela ação do maravilhamento que condiciona o existir. O meu existir. São circunstâncias únicas. O nirvana completo. Sentir é viver. O tempo é um ser? Meticulosidade do ser. Esmiuçar todas as possibilidades, todos os pormenores da ocasião. Efêmero é o pensar. Sempiterno é o pensar. Não há razões para nada acontecer. Tudo que se diz é o extremo no pulsar da emoção. Sou emocional. Outros modos de estar próximo. Por mim deixaria as coisas assim.

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