sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A CIDADE - jonilson montalvão

Essa cidade me debilita e me reanima também. É sempre essa dualidade louca, essa transfiguração de um e de outro; excessivo e expressivo de um absurdo que só essas grandes metrópoles possuem.
Mas a porcaria de tudo são essas pessoas que nem respeitam a si mesmas e com isso não conseguem respeitar nada, nenhum tipo de vida, absolutamente nada nem, tampouco, o outro, seu semelhante. Para mim é difícil tudo isso; esses dias mesmo vi uma cena que me maltratou muito: um cara estava atravessando a pista, entre dois carros; o trânsito, como sempre, estava parado, era por volta de umas 4 da tarde. O cara aproveitou e foi atravessar ali, mas no momento em que ele estava passando, o outro, o motorista que estava no seu jipe, desses importados, acelerou propositadamente; uma acelerada de leve, por isso penso que foi de propósito, mas foi o suficiente para que o cara que estava atravessando se assustasse e o jipe encostasse a frente no corpo dele. O cara do jipe fez uma cara de “não tenho nada a ver com isso” e levantou uma das mãos como pedindo desculpas. Eu vi toda essa cena e isso me causou uma mal estar terrível. Fiquei pensando que filhodaputa, burguesão com seu jipinho importado, com seu mundinho, trancafiado na merda do seu carroquartel, do seu tanque de guerra urbana e foda-se os outros, os que circulam a pé por essa cidade, os que ainda tentam se manter intactos de toda essa porcaria que respinga pra todo lado.
Ainda fiquei um tempo ali parado, não me conformando com aquela situação, mas ao mesmo tempo sabendo da minha inutilidade, da minha inércia perante tudo.
A cidade e seus carrascos, em seus monstros tanques-de-guerra por um fio de tudo; o labirinto urbano torrencial e meticuloso jorrando intolerância, borrando a vida, as alegrias, a satisfação em andar por uma cidade onde o encontro de pessoas não signifique um choque bélico, um amontoado de empurra-empurra, mas sim em atos gentis, de simpatia.
A cidade somos todos nós e se essa São Paulo com seus milhões de vírus, como seus milhões de máquinas esfumaçantes, se essa São Paulo se permite a um gesto mais sensível por parte de todos, há ainda uma chance. Porém, parece que isso não está acontecendo, não consigo vislumbrar essas coisas; pego trem todos os dias e o que vejo é assustador. Mas, também, não sou tão pessimista assim, vejo atos, isolados sim, mas atos de extrema delicadeza de várias pessoas e por isso ainda tenho uma sensação boa quando ando pelos quatro quantos dessa metrópole.
O cotidiano da cidade ainda possui elementos gratificantes, daqueles que a gente olha e logo um sorriso se faz, um sorriso tão espontâneo que a gente fica eufórico e os sonhos voltam a emergirem lá do fundo do abismo.

Um comentário:

Samara Oliveira disse...

Às vezes também não me sinto parte deste mundo. O que acho impressionante é a forma com que a maioria das pessoas tratam o mundo em que vivemos, como se ele não tivesse valor algum. Elas jogam lixo no chão como se isto fosse a coisa mais normal do mundo.
Outro dia vi uma cena revoltante tb, um menina moça maltratando sua vó com palavras como "você é uma louca" "eu já falei para minha mãe te internar, por mim você já estava internada" "se deixar você come até bosta". Falando isso aos berros no meio da rua para que quem estivesse passando escutasse...
Também fico pensando e não compreendo tanta maldade e desrespeito no coração de alguns... às vezes me sinto inútil, pois posso fazer bem pouco. Melhor seria que as pessoas se conscientizassem por si próprias...