sábado, 21 de fevereiro de 2009

Ranços

Texto: Jorge Américo
Ilustração: Carlos Wrede
O ano nem começou e já é quase Março.
O rei sorri e ameaça usar a força de seu braço.
O cavalo-sem-dono não se acostuma com o laço.
O astronauta diz que a Terra é mais bonita vista do espaço.
A criança nunca viu um palhaço.
A Polícia inventa provas e põe o pretinho num embaraço.
O sol vai embora e deixa mormaço.
O banqueiro se vê só e troca um carro por um abraço.
O afago não alivia mais o cansaço.
A lágrima não sai e enferruja o peito de aço.
A barriga tá estufada de tanto bagaço.

O velho morre sem nunca ter tido endereço.
O pão tá caro e ninguém sabe o preço.
A paixão provoca cegueira no começo.

O olhar da cigana é perigoso, tem feitiço.
O dente, se não beber leite, fica quebradiço.
O pai de dez não arruma serviço.
A vida é difícil no cortiço.
A Antropologia diz que o povo brasileiro é mestiço.
O relógio da vítima é de ouro maciço.
O açougue, depois das festas, só vende chouriço.

A menina novinha tá esperando um filho e não sabe o nome do moço.
O lavrador só encontra lama no poço.
A notícia dada pela metade provoca alvoroço.
O patrão chupa a fruta e vende o caroço.
O médico diz que é melhor deixar a bala alojada no pescoço.
Mais de 30 milhões dormem sem almoço.

O poeta tenta falar e o verso vira soluço.


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