quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

do campo de futebol ao nascimento - jonilson

Meu filho nasceu no lugar que eu jogava bola. Foi num Sábado, 27 de dezembro, 2008... corria feito um cavalo livre sem rédeas e sem direção; o mato desviava tudo à sua volta. Meu filho nasce pequeno, pequenininho mesmo. Aruan. Com N no final, é como a mãe deseja. Sim, é lindo.
Eu não parava naquilo do bairro, dos limites do mundo que era o meu e nada mais; daquilo que o sonho da infância sempre soube e sempre estava ali presente nas coisas desiguais da vida. Do comedido até as improvisações da Avó para o almoço. Desde sempre fora assim para ela. Da terra tirava seu alimento, mas embarcações em outros locais a fizera, recuar um pouco. O sonho de cidade grande. Migrações que se tornam rotineiras.
Itaim Paulista da ocasião. Meu bairro. Hoje eu sei. Hoje eu posso dizer, posso saber que esse lugar tão simbólico é meu, são minhas raízes. O pequeno Aruan não correrá em teus campos, mas nasceu ali, onde hoje é o hospital. Ali onde todos os moleques corriam, se jogavam, chutavam bolas, pedras, ventos, matos, terras...
Hoje, olhando pela janela e falando com meu irmão pelo celular vejo onde caminhávamos à tarde, quando minha Avó ainda preparava seu feijão.
Minha esposa chega, ainda se refazendo do parto, mostro-lhe algumas coisas; aponto os lugares e digo o que era antes, numa nostalgia sem fim. Sou assim nostálgico mesmo, mas não apegado ao passado, apenas nostálgico. Relembro essas coisas enquanto meu Aruan está na maternidade ganhando peso. Tão pequeno, seus cabelos pretos ainda um pouco grudados; eu o pego às 3 da manhã e choro. Falo das histórias enquanto ele abre um olhinho e me observa sem questionamentos. Explico-lhe que logo logo ele vai sair dali, só falta uns quilinhos, só isso. Ele volta a dormir tranquilamente no seu berçinho aquecido.
As simbologias estão em tudo, desde sempre foi assim. A gente se torna tão escasso nessa vida que não percebe nada, mas em situações tão delicadas, quanto o nascimento de um filho, o sentido torna-se, outra vez, fervoroso. As atenções e os sentidos aguçados. Quando saímos de casa para o hospital eu estava assim, mas também estava tenso, ansioso. Minha esposa não. Ela arrumava as malas numa tranquilidade perturbadora. Tudo no seu devido lugar. Sentada na cama com a bolsa no colo ela colocava peça por peça, ajeitando-as com um carinho especial, uma a uma: blusinhas, sabonetes... olhava uma lista e pegava uma peça, olhava outra vez e pegava outra peça. Eu não aguentava aquilo, aquela serena paciência. Tomei um café enquanto tudo acontecia. O mundo da tranquilidade é o mundo da Michele, o meu, talvez, não seja. Saímos. Andando bem devagar. No ônibus as coisas ficam estáveis. Não é pra hoje, é o nosso pensamento. Mas quem sabe? Estou tão ansioso que não falo nada. Nem precisa, tudo é uma questão de tempo. É só esperar.
Mas ainda aconteceria outras situações que nos deixariam perplexos: o hospital, as enfermeiras, as grosserias dos profissionais que estariam ali para te atender com todo o cuidado... quanto despreparo.
Maternidade Leonora, essa mesmo!... ali parece tudo, menos um hospital, talvez até parecesse um hospital público mesmo, se os hospitais tivessem que se parecer com aquilo. Mas sabemos que pode se diferente.
Mulheres sentadas, barrigas cheias; dores extensas tomam o corredor sujo. Enfermeiras, técnicas, profissionais enfim, acostumados com a rotina não se abalam. Gritos numa sala, nasce uma criança. É assim, quanto tem que vir ao mundo vem em qualquer ocasião, são falas... sobre a morte e outras coisas. Mulheres gemendo e gritando. A dor do parto e algo que não entenderei. Nós, homens, somos espectadores nesse momento.
Ficamos ali, eu e minha esposa, sentados na cadeira de plástico, a tv ligada para distrair os lamentos. A hora passa e a lentidão no atendimento é algo que nem a gestapo arquitetaria tão bem. Minha cabeça dói, não compreendo como algumas coisas não mudam. Nós não conseguimos fazer nada. Quanto tempo levará para que consigamos resolver nossos problemas? Estou pensando mas não quero. Xoxa e o padreco cantam e dançam felizes da vida enquanto um casal de bolivianos os olha com olhar de pertinência. As dores e as falas; as transgressões e os sonhos; os sentidos da memória, que trava com uma busca pelo que se tem e não aquilo que se quer. As imagens que temos quando deflagrado com uma situação incomum , tão comum, ao cotidiano.
Esse é o motor que gira e gera essa metamorfose da vida? enquanto ela pulsa querendo estar vai haver a beleza do maravilhamento? Minhas perguntas são, agora, um nada tão pequeno em relação a tudo isso que vejo e sinto. Mas estão aqui comigo e quem sabe eu não as leve para outro patamar... quem sabe...
A estupidez e a insensatez reinam no ambiente. Chega nossa vez de sermos atendidos, mas não entendidos. A falta de polidez da profissional atinge minha esposa de cheio; é a nossa vez. A indelicadeza é repleta e não vale os choros dos pacientes aqui. Se sua pressão subir tome algum remédio, injeção é mais comum... mas não queremos ficar nesse ambiente denominado hospital, nos pronunciamos com a médica, assinamos o termo de responsabilidade e fomos embora para outro hospital, esse sim, mais digno, mais salutar: Casa de Maria, no Itaim Paulista. Ali fomos atendidos e entendidos como deveria ser em qualquer local, público ou não.
Depois de toda confusão passada, com a pressão alta minha esposa não poderia ficar ali, pois não daria para o parto natural. Uma ambulância nos conduziu para o Hospital Santa Marcelina, construído sobre o terreno que ontem era um grande campo de futebol.

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