terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A audácia caminha à noite

Caminho pelas ruas festivas; festivo também estou. O ambiente entoa toda a algazarra mística da noite: a música é percussiva e recheada de cordas e sopros e açucaradas vozes embriagadas de prazeres alcoólicos.

Nada esta mal, nem a dor antagônica da existência, nem os caprichos que a vida revela. Estou contemplativo em busca de doses mais fortes para a cabeça. Por toda a rua a festa é repleta de fortes ondas sonoras. Mulheres e homens desfilam suas exuberâncias físicas; Meu único soberbo trabalho é olhar; aprecio a noite, a bebida, o sexo, a música e tudo o que mais me deixa em sintonia com o lugar.

Nesses dias fico à mercê de ocasiões, digamos divinas... A beleza em tudo é um olhar mais desvairado; um pacote de drogas acompanhado de sexo ao som de um tamborim e uma cuíca. Fios de náilons para reticular a moral reprimida.

Mas nessa noite Luis Melodia dá a nota fatal que atravessa as paredes de qualquer quarto sujo onde pago favores para obter coisas que me enchem a vida. Depois desço as escadas numa escuridão pavorosa. Alguns sorrisos estampam as resistências dos fregueses.

Lá fora tudo é convidativo: os rebolados, as simetrias, os resvalares de peles... continuo na noite santa; fumaças invadem pulmões e mente ao som de cavacos e pandeiros. São ocasiões para se pensar em dançar. É o que faço.

Duas garotas estão se amando loucamente. Não consigo desviar o olhar. Elas nem me notam e a vida continua. Percorro tudo, andando e olhando e ouvindo o sacudido do som: é batuque é baque é nervo é aço é balanço... nunca estive assim. São tantas as nevralgias, são tantos caos, mas tudo é sinfonia, aqui tudo é rufar, é tambor. Vou bebericando copos que me chegam às mãos, repassando toques, burlando locais sacros, referindo na mente difanidades; silêncio profano.

Sou eu que ao afro sabor da euforia resgato o sabor da vivência, manual de orgias; rufar o tambor da morte. Vem cá, rasga o cavaco deixa de lado o sufoco no pé da mulher, pele lisa pés descalço a sacolejar; eu ando, eu danço. Semba. Grito da fé num país de festas. País das contradições; o futuro que nunca chega e quando chega passa tão rápido quanto esses dias pagãos. Hoje é futuro na nação que sacoleja com sons guturais. A carne elevada à divindade. Cristãos rebolam também. Santos com tez escura anarquizam o reino e dizem amém.



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