Sociedade e anarquismo hoje – uma crítica sobre “anarquistas” da atualidade e suas perspectivas ideológicas.
Por Camila Maný
“Mas quem são eles pra falar de amor?/É preciso antes de mais nada ter noção do horror/ que é ver velhos vagando na madrugada/nas ruas com frio nas rugas/é preciso ver crianças pesinho pequenos desde cedo na estrada/esse é o preço pago vendendo Didi, picolé amendoim e cocada/pra sobreviver toda iniciativa é valida.” [Genival Oliveira Gonçalves]
“Mas quem são eles pra falar de amor?/É preciso antes de mais nada ter noção do horror/ que é ver velhos vagando na madrugada/nas ruas com frio nas rugas/é preciso ver crianças pesinho pequenos desde cedo na estrada/esse é o preço pago vendendo Didi, picolé amendoim e cocada/pra sobreviver toda iniciativa é valida.” [Genival Oliveira Gonçalves]
Ao ler textos e documentos clássicos de alguns anarquistas do século XIX observamos como são atuais seus pensamentos e suas propostas quando tratam sobre as questões sociais e as estratégias organizacionais e individuais elaboradas para o alcance da emancipação humana. É neste contexto que elementos relacionados a ética e a moral libertária estão inclusos, sendo necessários para a conquista do objetivo em comum desejado.
Neste sentido, Malatesta menciona em seu texto “ Anarquia e organização” que as organizações anarquistas devem “... conciliar a livre organização dos indivíduos com a necessidade e o prazer da cooperação, que sirvam para desenvolver a consciência e a capacidade de iniciativa de seus membros e sejam um processo educativo no meio em que operam e uma preparação moral e material ao futuro desejado”.
Esta afirmação indica as formas pensadas para a realização de uma adesão popular em meio aos já populares anarquistas, unificando e fortalecendo a classe oprimida através de relações horizontais.
Apesar da simplicidade e da eficácia que o pensamento oferece vemos que sua prática na atualidade é o que menos se apresenta, quebrando então toda a estrutura da proposta anarquista, já que o plano ético e moral é base para relações mais humanitárias e igualitárias.
Isso ocorre pela forte alteração no perfil dos anarquistas dos séculos passados quando comparado com os atuais; passando de trabalhadores braçais – sapateiros, padeiros, pedreiros, barbeiros, estivadores, lavradores, pintores, entre outros – para mestres e doutores acadêmicos, sendo poucos aqueles vindos das classes menos favorecidas.
A existência deste novo perfil de anarquistas ocasiona a mistura de comportamentos e compreensões eurocêntricas e elitizadas, vindo das tradições da classe média e alta, menosprezando os conhecimentos populares transmitidos oralmente. Assim, a educação e a vivência com grupos sociais não populares compreende necessariamente a interiorização de elementos narcisistas e anti-classistas, mesmo que exista a aparente escolha em aliarem-se aos setores populares.
Estaríamos sendo injustos se afirmássemos que todos anarquistas que vieram de classes sociais mais favorecidas possuem ou agem com base na moral do grupo social a que pertence, porém sua maioria está. Isto fica notável ao entendermos a proposta de muitos grupos e indivíduos anarquistas da atualidade e o forte atrelamento ao mundo acadêmico, seja por parte de jovens estudantes das classes médias e alta ou pela intitulação de mestres e doutores “anárquicos”.
São inseridos, então, em espaços em que a subjetividade humana se faz mais presente do que a objetividade, que os valores e a moral não classista aparecem, sendo isto materializado tanto pelo desejo do status quo, quanto pelas práticas individualizantes e distantes aos setores populares, ocorrido tanto nas produções acadêmicas que tratam o “popular” como objeto de estudo, quanto nas falsas ações dos grupos e movimentos anarquistas que não se inserem em sua totalidade de militantes na causa classista e próxima do povo pobre, tirando do anarquismo o caráter combativo e o tornando um estilo de vida, fato muito bem expressado pelas palavras de Takuma Ñedeva “[...] o movimento anarquista novamente perde terreno principalmente pela insistência de militantes (livreiros?) e de "iluminados" em se recusar sair das brancas nuvens das torres de marfim dos meios acadêmicos e pisar no barro do trabalho de base dos bairros da periferia. Enfatiza-se e prioriza-se a formação de militantes de salão, estribada nos intermináveis discursos e palestras proferidas por autores, editores, doutores, mestres e phds em teoria.” (em Devolvam o Anarquismo ao povo pobre)
Assim, os objetivos da escrita de artigos também sofreram alterações com esse novo perfil dos anarquistas, em que no passado havia a preocupação em publicar textos que dialogassem com toda a classe explorada, utilizando linguagem de fácil compreensão. Era assim que Neno Vasco compunha seus escritos, difundindo as idéias libertárias para o lumpesinato e a todos trabalhadores que os lessem. Diferentemente, hoje temos a produção de inúmeras teses e artigos, em que o desejo de títulos acadêmicos se tornou o único objetivo, selecionando seu público leitor composto apenas por membros da banca examinadora e de futuros concorrentes de títulos.
Ainda sobre tal aspecto, o que se vê na atualidade é a utilização de “escudos” entre os militantes anarquistas quando absorvem e deturpam os próprios valores da ideologia, defendendo suas práticas individualizantes através da idéia de “liberdade individual” e do chamado “anarquismo de estilo de vida”, em que as práticas sociais, quando existem, se dão somente com interesses pessoais – como a participação em movimentos com o objetivo de colher dados para a produção e legitimação de trabalhos acadêmicos-, atuando dentro de espaços que condizem com a realidade daquele militante – no caso, o movimento estudantil das universidades -, as quais, por conta do perfil social, não têm caráter popular.
Estas condições práticas e subjetivas acontecem por conta da falta de necessidades objetivas e materiais estritamente necessárias a serem resolvidas/modificadas na vida deste novo perfil anarquista.
A mudança do perfil dos militantes anarquistas vem causando a queda e o enfraquecimento da ideologia como mecanismo para a transformação social, distanciando o movimento de hoje com seu passado. No entanto não podemos ignorar os processos históricos e nos excluir como sujeitos sociais, havendo então a necessidade de nos posicionarmos como anarquistas pertencentes as classes populares e tomarmos nossos postos de luta, anulando o egoísmo e o narcisismo de muitos anarquistas da atualidade.
É reaproximando a ideologia anarquista do povo pobre e trocando vivencias e sabedorias com cada sujeito social que enriquecêramos e reformularemos o pensamento, renovando as forças para a efetiva luta social.
Verão, 2010.
2 comentários:
será gratificante se publicar em seu blog e muito obrigado pelo convite se eu puder será um prazer ir até ai no sarau
abraço.
Viva o ANARQUISMO, abaixo os partidos politicos, o Estado, o mercado, viva as pessoas...
Não deve haver fissura entre teoria e prática, pois se não tiver teoria vai ficar uma prática cega, e também só teoria é futilidade. "perfil do anarquista"? sugiro que não fique com rotulos, afinal é isso que a burguesia faz. Não podemos anular a "classe media" anarquista, quer dizer que se o cara não é "povo" ele deve ficar longe das lutas sociais?? Existe muitos movimentos que tem princi´pios libertários e não são anarquistas. Você faz muita confusão, mas a intenção é boa!! Carlos
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