Os contos do livro 85 letras e um disparo são retratos das dificuldades crônicas enfrentadas por quem vive fora do centro da sociedade rica. Uma voz latentemente oprimida pela má-distribuição de renda e pela falta de estrutura social adquire o timbre de prostitutas, criminosos, estudantes, escritores de periferia, trabalhadores das mais variadas áreas, e é ouvida a cada página do segundo livro de Ademiro Alves de Sousa, mais conhecido como Sacolinha.
A obra é formada por episódios que podem ser autobiográficos, misturados a histórias, depoimentos e reflexões de personagens pobres que se incluem como podem ao consumismo exagerado de uma pequena parcela privilegiada da população, seja indo para a criminalidade, seja comendo ovo com farinha e omelete acebolado um ano inteiro para guardar dinheiro e fazer um churrasco de gente fina, como no conto “Churrasco da virada”.
Um aspecto muito interessante em 85 letras e um disparo é a presença incondicional da literatura em meio a todos os dramas apresentados em cada conto, seja pela figura dos protagonistas de algumas histórias, escritores de periferia, tentando vender seus livros (coisa que Sacolinha já fez), ou pela cultura literária da prostituta do conto “Eu, prostituta?”, e do assaltante de “Traição na joalheria do shopping”, ou ainda, por referências de outros personagens a escritores.
Ao colocar na boca de seus personagens trechos e autores da literatura, Sacolinha empresta sua articulação e erudição a essas pessoas que, como o garoto Tedy, do conto “O aluno que só queria cabular uma aula”, mantêm toda sua indignação na cabeça, por não conseguirem sequer formar uma frase.
Esse talvez seja o principal papel de autores como Sacolinha, Ferréz, ou outros, ditos marginais, justamente por virem dessa suposta margem que circunda a parte rica da sociedade. Quando eles dão voz aos que não a tem, em forma de narrativa literária, enfim, de arte, a denúncia de suas condições precárias de existência é muito mais impactante que qualquer notícia ou documentário.
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