quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

o fim do dia... - jonilson montalvão

O fim do dia estava parnasiano; demais para mim àquela altura; sim, estava sóbrio.
Foi o que eu disse ao escrivão da delegacia.
Defina-me parnasiano.
Fingi que não ouvi e continuei falando um monte de outras baboseiras. Passamos um tempo juntos, eu e ela...éramos tão apaixonados...
Por favor, defina-me a frase que o senhor disse anteriormente “o fim do dia estava parnasiano”.
Tentei desconversar mais uma vez e nesse instante o Delegado entrou na saletinha.
Pode liberar o figurinha aí.
O escrivão me olhou com olhos de fogo soltando suas labaredas e nada disse.
Levantei-me, balancei a cabeça como um gesto de cumprimento à ambos e saí da saleta.
Do lado de fora Penélope me aguardava sentando numa poltrona arruinada pelo tempo; estava vestida com uma saia verde curtíssima e suas pernas morenas ficavam à mostra para os policiais que por ali circulavam e paravam os olhos nela; me pareceu que isso não a incomodava, muito pelo contrário.
Assim que ela me viu levantou e veio em minha direção com um sorriso descomunal. Nos abraçamos e nos beijamos.
O que houve?, ela quis saber.
Nada, apenas as perguntas de praxe.
Não te bateram não né?, seu lado materno às vezes, explodia.
Não, apenas perguntas.
E o que você disse?
Nada, desconversei o máximo que pude.
Saímos dali. Ela estava de carro e eu com muita fome. Paramos num restaurante e eu pedi um comercial, desses que ficam prontos mais rápidos.
Penélope era minha amante e eu a amava e ela sabia disso. Era ela que resolvia todos esses pormenores da minha vida; todos esses dilemas que algumas situações nos colocam lá estava Penélope com sua paciência monástica. Era meu anjo, sempre pronta a me salvar.
Na saída do restaurante lhe disse que gostaria de ir a um Sebo comprar algum livro, estava querendo ler algum romance tolo, sem perspectiva, apenas para passar as horas.
Ela me recomendou um Sidney Sheldon, clássico dos romances tolos, nas palavras dela.
Tudo bem, falei.
Fomos no seu carro ouvindo Zeca Baleiro.
Conversamos sobre nossas vidas e o que esperávamos dela; planejamos o futuro e criamos um bem estar maldito daqueles que dão frio na barriga.
Penélope estava grávida, ela me disse quando saiamos do Sebo.
Fiquei alguns segundos sem respirar.
Há quanto tempo?
Fiquei sabendo ontem, vai fazer um mês daqui a três dias; mas isso não é problema...
Não?!...
Não.
Então o quê?
Nem sei como te dizer, é difícil...estou grávida, mas você não o pai...
Congelei.
Todas as conseqüências que pude racionalizar, no momento, foi uma lágrima escorrendo pela face.
De repente me vi saturado; desorientando. Fiquei calado.
O carro parou e descemos. Na porta da sua casa ela me pediu desculpas e tentou me abraçar. Não deixei. Ela fitou-me com olhos doces. Queria beijar sua boca com toda ganância e revide; não pude.
Chorando disse-lhe palavras soltas e sem nexo. Da vida, daquela vida que eu planejava ao seu lado, daquela história, daquele amor...encerra-se um ato.
Eu ainda te amo, sua voz encheu meu corpo de dor e contentamento. Eu ainda te amo.
O fim do dia era o fim de uma vida; o fim do dia como uma fábula de horror de todo um relacionamento que morria.

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